quinta-feira, 23 de março de 2023

Os sons do silêncio


            Em terras longínquas, distante do burburinho da cidade grande havia um grande castelo construído na colina próxima do rio Naval.

            Moravam nesse castelo o rei Ferdinando e o seu filho, o príncipe Fernando.

            O rei preocupado com os estudos do filho mandou que ele fosse estudar no templo do mestre Ezequiel.

            No templo o mestre disse que o príncipe Fernando deveria iniciar seus estudos conhecendo os sons da floresta e lá ele deveria permanecer um ano para identificar todos os sons e captá-los.

            Fernando preparou uma mochila e nela colocou o seu mais importante equipamento: um gravador

            O tempo passou... era hora de retornar ao templo.

            O mestre recebeu-o e pediu que Fernando descrevesse todos os sons que ele ouvira na floresta.

            E assim o príncipe Fernando iniciou o seu relato.

            _Mestre, na floresta eu pude ouvir o canto dos pássaros, o barulho das folhas agitadas pelo vento, o alvoroço dos colibris alimentando-se do néctar das flores, o zumbido das abelhas voando de flor em flor, o barulho do vento cortando os céus, o pio das corujas na noite escura, o som delicado das gotas de chuva molhando as plantas...

            Ao terminar o seu relato o mestre disse-lhe para voltar à floresta e ouvisse tudo o mais que fosse possível ouvir.

            Fernando ficou intrigado mas obedeceu a ordem do mestre.

            Deitado na relva macia contemplando as estrelas Fernando pensou:

            Quais sons o mestre queria que identificasse se já ouvira tudo.

            No silêncio da noite Fernando aguçou os ouvidos. E um encantamento foi tomando conta do seu corpo.

            Pela manhã Fernando começou a ouvir sons vagos e tênues.

            E quanto mais prestava atenção mais claros os sons se tornavam.

            E sem pressa ficou ali ouvindo pacientemente os sons para identifica-los.

            Quando retornou ao templo o mestre perguntou quais sons ele ouvira. E Fernando relatou com clareza.

         _Mestre, quando me deixei envolver pelo silêncio pude perceber o som inaudível e suave das flores desabrochando, o som do sol nascendo e aquecendo a terra, o barulho delicado da grama bebendo o orvalho da noite...

            O mestre sorriu em sinal de aprovação e disse:

            _ Fernando, ouvir o inaudível é a calma necessária para se tornar uma grande pessoa. Quando se ouve o coração das pessoas, seus sentimentos mudos, seus medos escondidos, suas queixas silenciosas é que o homem está pronto para inspirar confiança aos que estão ao seu redor e se torna capaz de tomar decisões pautadas no respeito e no discernimento.

            O homem se torna verdadeiramente humano quando aprende a ouvir não apenas as palavras que saem da boca, mas capacita-se para ouvir o interior dessas pessoas, decifrando os sentimentos tatuados em sua alma. Ele ouve os sons inaudíveis de cada pessoa, sentimentos que não podem ser mensurados, mas que têm grande valor pois florescem do coração de cada ser humano.

(Gracita)